Por trás da manifestação da EBC está a preocupação de que, na falta de espaço para abrigar toda a radiodifusão comercial no espectro de UHF restante depois que a faixa de 700 MHz for destinada à banda larga, alguns canais públicos previstos no Decreto 5820/2006 e outros canais públicos, como TV Câmara e TV Justiça, acabem desalojados para uma faixa nunca antes testada para a TV digital e onde existem ainda desafios técnicos a serem vencidos, que é a faixa do VHF alto, onde supostamente sobraria espaço depois do switch off analógico, ou seja, o fim das transmissões analógicas.
Existe a preocupação no campo público de que hoje em pelo menos 96 cidades não haveria espaço para esses canais, que estão previstos em decreto e que refletem um equilíbrio determinado constitucionalmente. Também há a preocupação de que a radiodifusão pública se torne uma prerrogativa de assinantes de TV por assinatura, já que ali sim existe a exigência legal de que todos os canais sejam carregados.
A EBC, por exemplo, já teria feito um pedido formal ao Ministério das Comunicações para ter canais consignados em todas as cidades com mais de 100 mil habitantes, mas a liberação desses canais, evidentemente, depende da análise que está sendo feita pela Anatel.
Outro argumento recorrente é que a escolha do padrão japonês para a TV digital tinha como premissa, justamente, a possibilidade de contemplar no espectro de UHF tanto a radiodifusão comercial quanto a radiodifusão pública, sem a necessidade de recorrer a recursos de espectro das empresas de telecomunicações. Além disso, o padrão japonês era importante para garantir mobilidade e um padrão de interatividade (o Ginga) nacional.
Também se questiona se existe racionalidade na decisão de alocar toda a faixa de 700 MHz para a banda larga móvel. Há quem avalie que o governo não precisa assegurar espectro para todas as quatro operadoras móveis dominantes, mas apenas para um número razoável de competidores. Recorde-se que o próprio ministro Paulo Bernardo já manifestou que se não houver espaço para contemplar a radiodifusão comercial, será leiloado um pedaço menor do espectro de 700 MHz para a banda larga. As emissoras do campo público gostariam de ver as mesmas garantias de tratamento isonômico em relação a elas.
Contrapartidas
Não existe ainda um movimento articulado entre as emissoras do campo público em relação ao processo de liberação da faixa de 700 MHz para a banda larga móvel, mas existem alguns movimentos que sinalizam o que virá pela frente. E provavelmente haverá algumas reivindicações às teles, na forma de contrapartida. A primeira, e mais evidente, é a questão do Fistel para a EBC. Hoje, a Lei 11.652/08, que criou a estatal de comunicação, exige que parte dos recursos que seriam recolhidos pelas teles a título de taxa de fiscalização das telecomunicações (Fistel) seja revertida na Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública. As teles questionaram a cobrança na Justiça e passaram a recolher os valores em juízo, o que já totaliza mais de R$ 1,25 bilhão acumulados desde então. Na semana passada, a EBC conseguiu suspender a liminar que impedia o pagamento, mas a disputa deve continuar em instâncias superiores.
Outro ponto que deve entrar na mesa de negociações é a possibilidade de que as empresas de telecomunicações banquem o projeto do operador nacional de rede para as emissoras públicas. Há vários anos as emissoras do campo público têm um projeto de construir uma rede única de radiodifusão, num projeto que consumiria, em mais de uma década, alguns bilhões em investimentos. Esse projeto está parado mas há propostas para que ele seja colocado como contrapartida para as operadoras de telecomunicações que levem a faixa de 700 MHz.
As emissoras do campo público entendem que muitas delas podem operar na forma de multiprogramação, incluindo mais de um canal HD por faixa de 6 MHz, mas ainda assim o governo precisa garantir alguns canais na faixa de UHF, inclusive nas cidades mais congestionadas.
Samuel Possebon.fonte: PAY-TV NEWS