Transcrevemos o pronunciamento do vice-presidente da ABPI-TV (Associação Brasileira de Produtor Independente), Francisco Mistrorigo, no Seminário sobre TV por Assinatura, realizado por cinco comissões do Senado Federal no dia 16/6/11. A Ata com a íntegra dos pronunciamentos está disponível no final (50 páginas). Transcrição: Convido o Dr. Francisco Mistrorigo Vice-Presidente da Associação Brasileira das Produtoras Independentes de Televisão, ABPI-TV para fazer uso da palavra, por dez minutos.
O SR. FRANCISCO MISTRORIGO – Exmº Sr. Presidente da Comissão de
Ciência e Tecnologia, Senador Eduardo Braga, demais Senadores, Senhoras e
Senhores, agradeço a oportunidade de participar dessa audiência pública,
representando o segmento da produção independente brasileira de audiovisual.
Durante os últimos três anos participamos ativamente, na Câmara dos
Deputados, do processo que resultou na aprovação do PL nº 29. Foi um longo e
exaustivo processo que envolveu longos debates e negociações que desembocaram
num acordo possível.
Todas as partes cederam. Nós, produtores, os canais brasileiros de TV a
cabo, as produtoras, emissoras de TV aberta, o Governo e as empresas de telefonia.
Sabemos que nunca existirá uma unanimidade ou convergência em uma
legislação que envolve extensa negociação com diferentes segmentos e interesses,
além, é claro, da complexidade do tema. Sempre haverá pontos a serem aperfeiçoados.
Nós gostaríamos de ter uma legislação mais favorável ao crescimento do
nosso mercado. Nesse momento, temos que pegar eventos de outros países onde o
mercado de audiovisual ocorre plenamente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, existe uma agência, UFCC, Comitê
Federal de Comunicações, que é responsável por normas rigorosas nas comunicações
dos Estados Unidos que, durante muitos anos, permitiu que as TV´s exibissem somente
30% de programação própria, ou seja, aquela produzida pelo canal. Os outros 70% as
TV´s iam buscar no mercado.
As produtoras independentes levaram seus projetos, elas escolhiam os
melhores para a sua grade e isso entrava na programação. Isso ativou o mercado a tal
ponto que, com o tempo, não foi mais necessário existirem essas cotas. O mercado se
regulou sozinho porque a produtoras começaram a ter relações comerciais positivas
com esses canais e a coisa começou a funcionar de uma forma mais espontânea.
Na França, por exemplo, existiam produções extraordinárias para a
produção nacional independente se desenvolver, além da cota da própria Comunidade
Econômica Europeia.
Nesse ponto, em particular, gostaria de ler um trecho de um estudo
realizado pela Unesco, em fevereiro de 2011 sobre o ambiente regulatório para
radiodifusão.
Uma pesquisa de melhores práticas para os autores-chaves brasileiros no
seu capítulo Obrigações Positivas de Conteúdo, em relação às cotas de produção
nacional.
“A obrigação de oferecer conteúdo produzido no próprio País é uma forma
importante de reforçar o senso de identidade nacional e também de impulsionar o
desenvolvimento de uma indústria de programas para radiodifusão. Isso é
especialmente relevante no caso de países mais vulneráveis como o nosso, a influência
cultural da programação estrangeira é importada a preços muito baixos.”
A produção nacional também ajuda a reforçar o sentimento de unidade em
países grandes e diversos, como o Canadá e os Estados Unidos, que têm uma
diversidade cultural imensa. No Canadá existem cotas, na África do Sul existem cotas,na Malásia, na comunidade econômica européia, no Reino Unido, em vários países
existem as cotas para começar a relação mais justa da produção com os canais.
A operadora Sky cumpre 50% de cota na França, na Alemanha e na
Holanda, mas aqui no Brasil a Sky lidera uma posição, a nosso ver, equivocada,
afirmando que o cumprimento das cotas poderá interferir na qualidade dos conteúdos
dos seus pacotes de programação.
A HBO também cumpre cota em outros lugares do mundo, não só aqui.
Todos os países da comunidade européia, além de Canadá, Austrália e Coréia do Sul,
possuem um sistema de cotas fundado na percepção de que é necessário proteger a
indústria audiovisual nacional, cujo produto é um bem econômico, que representa,
explica, dá sentido e valor à sociedade.
Neste momento, reconhecemos ser fundamental o apoio aos avanços
estabelecidos do texto do PLC 116, que trarão, para o setor de TV por assinatura,
importantes possibilidades de desenvolvimento, oportunidade de negócios e geração de
novos empregos.
A entrada de empresa de telefonia no segmento de TV por assinatura
representará um aumento significativo na base de assinantes, maior competitividade e
um conseqüente e necessário barateamento desse serviço, ou seja, mais brasileiros vão
poder ter a TV por assinatura em suas casas.
Atualmente, no Brasil apenas 10% dos lares que têm um aparelho de TV
possuem TV por assinatura; na Argentina esse número vai para 80%. O crescimento
econômico brasileiro atual aumentou muito o poder aquisitivo da população. Junto com o
sonho da casa própria, do automóvel, de eletrodomésticos, a TV por assinatura começa
a ter um lugar de destaque no interesse da população.
Hoje existe cerca de dez milhões de assinantes no Brasil. Esse número
vem crescendo, mas, certamente, o número de brasileiros com TV por assinatura será
muito maior com a aprovação do PLC 116. É um dos mercados de maior potencial de
crescimento no Planeta, o nosso mercado.
Os conteúdos nacionais obviamente são sempre muito bem vindos, a
gente tem que ver um pouco de tudo, um pouco do mundo, um pouco de nós mesmos,
temos que ter essa oportunidade. Acreditamos na importância e pertinência dos
conteúdos brasileiros, que já demonstraram qualidade e aceitação junto ao público
brasileiro e internacional. As nossas séries de animações infantis figuram entre as mais
assistidas em canais a cabo no Brasil e no mundo. Nossos documentários e série de
dramaturgia têm reconhecimento por sua qualidade nos canais estrangeiros, onde são
exibidos. Nos últimos dez anos temos vivido um grande fortalecimento da nossa jovem
indústria audiovisual independente.
É muito importante que cada segmento envolvido na análise dessa matéria
possa se manifestar aqui, nesta Casa, que deverá selar o destino dessa nascente
indústria do audiovisual.
É igualmente importante que todos façam com sinceridade de propósitos,
de forma pública, republicana e transparente, para que o esforço desses anos todos não
tenha sido em vão.
O PLC 116 prevê dois anos para que o mercado se prepare para a sua
aplicação, por esse motivo é importante que possa ser votado da forma proposta,
preservando o seu texto tal como foi aprovado, após profundo e exaustivo debate
travado por todas as partes interessadas. Que se busque solucionar as eventuais
questões para a sua aplicação.
Entre os pontos mais polêmicos estão as famosas cotas, são apenas três
horas e meia de programação por semana, isso é meia hora por dia. Além de tudo,
essas simbólicas três horas e meia vão ser atingidas somente em quatro anos, ou seja,
vão durar dó dez anos, depois de dez anos provavelmente a gente não vai precisar mais
das cotas.
Fica claro o intuito de fomento catalisador para o mercado nacional, umavez que haverá tempo suficiente para o mercado se preparar para a adoção dessas
cotas. Enfim, tornar-se uma alternativa natural e viável para o mercado, sem depender
dessas próprias cotas para garantir a sua veiculação.
Em resumo, essas cotas terão uma adaptação progressiva, mesmo
pequenas do jeito que elas são.
Lembramos que o PLC prevê a possibilidade de utilização dos recursos do
Fistel, para o projeto de conta independente. Esse dispositivo vai ajudar a garantir a
aplicação de cotas sem, necessariamente, haver investimento dos canais, além disso, a
produção independente já conta com mecanismos de patrocínio, como o art. 1º e 3º, “a”,
da Lei do Audiovisual, art. 39, que o canais a cabo utilizam e linhas de financiamento do
BNDES, como Procult, fundo setorial de audiovisual e a Lei Rouane, entre tantos. Ou
seja, não haverá transferência de custo para o consumidor, uma vez que esses fundos
contribuirão muito para o financiamento da produção independente, estipulada pelas
cotas. Ao contrário disso, a aprovação do PLC proporcionará maior expansão da tevê
paga no País, consequentemente, a oferta de melhores preços para atingir a população
de baixa renda para esse tipo de oferta.
A entidade que represento, a BPI TV, ajudei a fundá-la, há 11 anos,
Associação Brasileira de Produtores Independentes de Tv. Ela conta hoje com 150
empresas produtoras de conteúdo audiovisual, espalhados em todo o Território
Nacional. É uma associação de produtores de conteúdos dos mais variados formatos e
gêneros, que vem, ao longo desses anos, conquistando espaço na tevê brasileira, nos
canais estrangeiros e no competitivo mercado internacional.
Os brasileiros figuram entre aqueles que assistem mais tevê no mundo, é
um dado importante. A tevê tem uma função complementar à educação em nosso País.
A cultura é o entretenimento. É de se esperar que possamos oferecer aos brasileiros
conteúdos aqui produzidos, que falem a nossa língua para os nossos diferentes públicos
e audiências.
Gostaria aqui de dar meu depoimento pessoal, como produtor
independente. Eu sou produtor de uma série de animação que talvez vocês conheçam,
chama Peixonauta. É uma série de animação infantil, que estreou no canal Discovery
Kids, no dia 20 de abril de 2009. Logo na primeira semana atingiu o primeiro lugar na
audiência do canal. Ou seja, certamente ele ocupou o lugar de uma outra série
estrangeira que estava nesse mesmo, horário nobre, das onze e meia da manhã e às
sete e meia da noite. Uma série brasileira ocupando o lugar de uma série estrangeira, o
que trouxe? Primeiro, trouxe benefícios comerciais imediatos para o Discovery Kids. São
dez horas e meia de veiculação semanal, só o Peixonauta, ou seja, são três cotas
quase. O Discovery Kids teve um aumento na sua audiência enorme. A sociedade
brasileira ganhou um produto nacional que fala diretamente com as suas crianças,
valorizando a nossa cultura, a nossa música e o nosso jeito de ser. O Peixonauta
passou a ser exportado para 67 países, ele é veiculado para mais de 67 países. Esse
resultado tem um significado tremendo, ou seja, os royalties dessa propriedade, ao invés
de serem remetidos ao exterior, são convertidos ao Brasil. É uma propriedade
intelectual, que é exportada ao mundo e só pode acontecer com a associação das tevês
a cabo com a produção independente.
Esse é o consenso possível. Eu acho que neste momento a questão é que
os interesses privados não possam prevalecer sobre os interesses públicos. Aqui temos
uma oportunidade tremenda de colocar a produção independente nas tevês, a gente
falar da gente para o nosso povo. Além disso, o preço da tevê a cabo vai cair muito, o
que será de grande utilidade para a população.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Braga. Bloco/PMDB – AM) –Agradeço a
participação do Dr. Francisco Mistrovigo.